O feriado de Dia do Trabalho de 1994 caiu em um domingo, um dia ensolarado e modorrento em São Paulo. Como de praxe em dias de corrida de Fórmula 1, os fãs do piloto Ayrton Senna já tinham programa definido para aquela manhã: o GP de San Marino, disputado no autódromo de Imola, na Itália. Era a terceira prova de Senna pela escuderia Williams, à qual ainda se adaptava depois de ter sido a estrela da McLaren entre 1988 e 1993. E aquela corrida começava particularmente envolta em acontecimentos funestos.

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O treino de sexta-feira, dia 29, havia culminado em um acidente sério sofrido pelo brasileiro Rubinho Barrichello. No sábado, dia 30, seria ainda pior. O piloto austríaco Roland Ratzenberger entrou rápido demais em uma das curvas, perdeu a asa dianteira do carro, bateu no muro em alta velocidade e morreu em decorrência dos ferimentos. Foi em meio a esse clima pesado que Senna largou na pole position no domingo.

Logo no início da prova, uma batida do carro do português Pedro Lamy contra o do finlandês Jyrki Lehto arremessou um dos pneus de Lamy contra a arquibancada lotada, deixando nove feridos. A corrida foi interrompida e reiniciada em seguida.

Na sétima volta, as imagens geradas pela emissora italiana RAI mostraram o carro de Senna reduzindo a velocidade ao passar por ondulações na pista pouco antes de entrar na curva Tamburello. Ao entrar na curva a cerca de 200 quilômetros por hora, ele perdeu o controle do carro e bateu no muro.

O lado direito do carro foi destroçado — as rodas e eixos foram arrancados com a violência do choque. As câmaras de TV claramente mostraram o momento em que ainda preso entre as ferragens retorcidas Senna mexe a cabeça. Em seguida, ela pendeu para o lado e ficou inerte. Era um sinal que havia algo de muito ruim acontecendo ali.

Senna foi tirado do carro e levado de helicóptero diretamente para um hospital de Bolonha. A partir daí iniciou-se uma espécie de frenesi em torno do que estaria acontecendo com o piloto brasileiro.

Mãe soube da notícia pela televisão

Repórter da sucursal de O Globo, em São Paulo, fui para o prédio em que a família Senna tinha um apartamento, na Rua Maranhão, no bairro de Higienópolis. Ali, uma pequena multidão de cerca de 150 pessoas se acotovelava em torno dos furgões das emissoras de TV equipadas com links de transmissão ao vivo. Num mundo sem smartphones ou celulares, era a única maneira de acompanharmos da rua as informações.

Por volta do meio-dia, cerca de uma hora e meia depois do acidente, chegou ao prédio o Chevrolet Omega cor de vinho que trazia a mãe do piloto Neyde Senna da Silva.

Ela vinha da fazenda da família na cidade de Tatuí, onde soube do acidente. Assim que foi informada da colisão, decidiu que iria à Itália para ficar ao lado do filho. Tomou um helicóptero até São Paulo, de onde pretendia embarcar para a Europa. No apartamento ela aguardaria pelas informações até conseguir viajar. O pai do piloto, Milton da Silva, preferiu ficar na fazenda à espera das notícias.

Enquanto o motorista do Omega aguardava a abertura do portão automático do prédio, alguns fãs se aproximaram respeitosamente do veículo e fizeram sinais que transmitiam solidariedade e que torciam pela recuperação de seu ídolo. Naquele momento, dona Neyde abaixou a cabeça, escondeu o rosto entre as mãos e chorou enquanto o carro entrava rapidamente na garagem. Depois, assessores informaram que ela soube da notícia da morte do filho quarenta minutos mais tarde, pela televisão.

A morte de Ayrton Senna foi um daqueles momentos inacreditáveis de tristeza coletiva que tomou o país. Os depoimentos das pessoas que se acumulavam na calçada davam conta do pesar, da perda de uma figura adorada pelos fãs e que personificava a figura de um herói nacional. Sua morte no auge da carreira, aos 34 anos de idade, refletia um imenso sentimento de injustiça.

Informações desencontradas tentavam explicar o acidente – a barra de direção do carro quebrou e com o choque no muro uma peça de metal perfurou a viseira do capacete e atingiu em cheio a cabeça de Senna no cockpit. O que havia de concreto era a tristeza absoluta dos fãs, que pareciam ter perdido um parente ou amigo querido.

Um comerciante vizinho do piloto me contou com os olhos cheios de lágrimas como Senna costumava parar seu Audi na entrada da garagem do prédio, abrir a janela e autografar os bonés, fotos e cadernos estendido pelos admiradores. Um porteiro do prédio ao lado lamentou profundamente a perda. “Com a morte dele acaba aquele último restinho de orgulho que a gente tinha de ser brasileiro”, disse. Uma jovem de 17 anos chorava convulsivamente abraçada a um poster do piloto. “Ele foi um exemplo. Provou que trabalho, dignidade e honestidade ainda valem a pena”, disse-me ela. Tornada oficial, a morte do piloto desencadeou uma onda de profundo luto que se estenderia por vários dias, até o sepultamento no Cemitério do Morumbi, em 5 de maio.